Bárbara Lia entrevistada por Isabel Furini


BÁRBARA LIA, poeta paranaense, é também romancista e professora de História. Publicou os livros: O sorriso de Leonardo (Kafka edições baratas), O sal das rosas (Lumme), A última chuva (ME), Constelação de Ossos (Vidráguas), Paraísos de Pedra (Penalux), Solidão Calcinada (Imprensa Oficial do PR), Respirar (Ed. do autor), Forasteira (Vidráguas), entre outros. Integra várias Antologias, entre elas: O que é Poesia? (Confraria do Vento / Cáliban), O Melhor da Festa 3 (Festipoa), Amar - Verbo Atemporal (Rocco), Fantasma Civil (Bienal Internacional de Curitiba), A Arqueologia da Palavra e a Anatomia da Língua (Maputo).

Bárbara Lia na Fotografia de Maria Alice Bragança


Bárbara Lia gostaríamos de saber o que representa a Poesia na sua vida.

A Poesia sempre foi parte da minha vida. Quando meu pai e avó diziam versos pela casa a Poesia era meu assombro. Quando tinha vinte anos a Poesia era nadar naquele ar maravilhoso que nos rodeia nesta idade, quando somos estrelas a sentir a vida em explosão. É algo que o tempo vai amainando e não se sente mais a poética força expandida dos vinte anos, a não ser quando a gente ama. Eu recupero o ar dos vinte anos via Amor. Em cada etapa da vida a Poesia tem um rosto. Ser mãe é gerar Poesia. O tempo da maternidade é poético, tão sublime que beira o indescritível. Vivi estes momentos-poesia sem preocupar em tecer as palavras. Só depois destas etapas abri espaço para a materialidade do poema. Comecei a escrever depois dos trinta e cinco anos. E a Poesia é multifacetada, ela está aí desde a criação do mundo e ela vai para o papel quando alguns decidem registrar suas experiências utilizando as técnicas e o talento peculiar de cada um. No atual estágio o espaço da Poesia é total. Como se ela fosse engolindo a minha vida e tomando conta de tudo.

Quando começou a escrever Poesia?

Como uma pessoa que adentra a Literatura como uma decisão: quero escrever! Como um caminho novo e definitivo, depois dos trinta anos. Tudo que escrevi antes era tão espaçadamente e sem uma preocupação com estética, ritmo ou encontrar um estilo e estas coisas que acabam por ser preocupação de quem escreve. Aos quarenta e nove anos a publicação do primeiro livro, mais de uma década apenas escrevendo, guardando, vasculhando o território novo que adentrei pra nunca mais sair.

Você considera a Poesia um elemento de crescimento pessoal? A poesia influencia positivamente a vida das pessoas?

A Poesia nasceu antes da Palavra. A Poesia nasceu antes da Palavra. É toda Beleza que surgiu com o Big Bang e vai durar ad infinitum. Poesia é intangível. Ela pode estar escrita em um alfabeto e transformar uma narrativa em oralidade ou escrita, mas, antes disto ela estava no que gerou o poema. O mundo é um arsenal incrível de poemas não escritos. Em cada momento em que a Beleza toca um ser vivo (digo isto sabendo que há poesia na essência dos bichos e das plantas, eles a sentem como nós). Quando um momento, sensação, acontecimento, qualquer coisa é capaz de deslocar o pensamento por um segundo ao ponto que faça este homem ou mulher formar uma frase que o surpreende e o deixa mais triste ou mais feliz: isto é Poesia. O mais aterrador é que há Poesia também nas catacumbas do ser, naquilo que nos dói, magoa e tolhe a dignidade. Então a Poesia é o filtro da essência humana em tudo. A Poesia nos torna um ser humano melhor? Não necessariamente. Creio que ela ajuda no autoconhecimento. E conhecer-se é algo positivo. Nos ajuda a ser melhor, ou não? Quanto a isto tenho dúvidas. Uma essência de bondade ou crueldade independe da pessoa conhecer-se ou não. Escrever Poesia ou não Para mim não dá para explicar em palavras o que é Poesia, mas quando ela nos toca de forma natural, ou em um poema escrito, nós a reconhecemos.

Você é uma das poetisas mais destacadas do Paraná, poderia falar um pouco de seu caminho, de suas escolhas, dos prêmios que ganhou?

Aos doze anos pensei neste caminho. Não como poeta, eu sonhava ser romancista. Lembro-me disto nitidamente. Queria contar belas histórias, pois sempre achei incrível a capacidade de um escritor de transportar-nos para outro lugar, para dentro de uma história. Aquela transfusão de emoção que a Literatura opera quando um autor é um escritor destes que acabam por ser mito, estes que amamos, seguimos, desejamos ser. Isto ainda me deixava atônita. Comecei a escrever bem tarde, mas foi possível realizar aquele antigo sonho. Comecei lentamente, mas isto me ajudou a ir aprimorando minha escrita.
Os Prêmios são importantes, sempre. A intenção é editar um livro. Sempre que um Prêmio edita o livro ou paga uma quantia que torne possível editar o livro, e coincide de eu ter um livro pronto e inédito, eu tento. Também é uma forma de construir uma biografia. Eu sempre fui muito tímida e isto não colabora muito, mas, eu sou uma tímida de primeira viagem. Depois que rompo um limite, eu perco a timidez. Quer dizer, demorei algum tempo para tirar um texto da gaveta e enviar a um concurso. Foi meu amigo poeta Carlos Barros que conseguiu isto em 1997, que eu deixasse as dúvidas de lado e enviasse algo para um concurso. Fiz isto. E foi uma resposta imediata. O primeiro concurso que participei foi o Prêmio Orpheu da UBE-RJ, e a crônica “Se essa rua / Se essa rua /Fosse minha” obteve Menção Honrosa. Era um texto sobre a Rua XV, eu sempre amei a Rua XV. A partir deste concurso eu participei de alguns Prêmios Literários e obtive destaques, como o Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody, o Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio, o Prêmio SESC Literatura, que fui finalista duas vezes. Também o Prêmio Cataratas, o Prêmio UFES, da EDUFES. E, finalmente, uma menção honrosa internacional na primeira edição do Prémio Fundação Eça de Queiroz, com meu romance “As Filhas de Manuela”.


Bárbara, enquanto alguns poetas e literatos usam muito de seu tempo em promover a própria obra, você é uma poetisa do tipo tartaruga: realiza seu trabalho silenciosamente. Poderia falar um pouco de seus livros?


Acho bem delicado. Eu tenho este sonho, quase desconectado de tanto e tudo, de que apenas a obra fale por si e que ela oblitere a figura do autor. Isto é utopia. Por mais que seja utopia, é a única estratégia minha, por ser alguém totalmente avessa a tudo que envolve marketing, quer dizer: não sei vender coisa alguma, promover como se fosse um produto ou algo que necessita que se realce. Talvez eu devesse sair do casulo e mandar livros para os prêmios de livros já publicados. Nunca um livro de Poesia meu foi enviado ao Jabuti, por exemplo. E não envio aos grandes jornais e críticos. É um erro? Não sei. Eu só sei que quero escrever apenas. Ponto final.

As publicações de livros iniciaram em 2004 com o livro de Poesia “O sorriso de Leonardo” pela Kafka edições baratas. Depois deste início, mais sete livros de Poesia, entre eles “O sal das Rosas”, em 2007, pela Lumme Editor de São Paulo. “A última chuva” foi publicado também em 2007, pelo Editorial Mulheres Emergentes. Em outubro do ano passado a edição do meu mais recente livro “Forasteira”, pela Editora Vidráguas de Porto Alegre. Os dois romances: Solidão Calcinada (Imprensa Oficial do Paraná/2008) e Constelação de Ossos (Vidráguas/2010) e um livro de contos (Paraísos de Pedra – editora Penalux/2013). Até aqui são onze livros impressos na forma tradicional. Em formato artesanal iniciei um projeto ao qual intitulei  “21 gramas” e estou organizando - lentamente – os meus poemas, por temas, com delicados livros artesanais e eles tem 21 páginas (geralmente). Tenho um especial carinho por esta minha – invenção poética – tecer com fios e palavras e editar meus próprios poemas.


Quais foram os poetas que mais influência tiveram sobre sua obra?

As mulheres poetas que me levam pela vida, como se eu pendurasse um fio em cada asa de cada uma delas e alçasse alto, alto... Emily Dickinson, Hilda Hilst, Orides Fontela, Marina Tsvetaieva, Alejandra Pizarnik... Amo ler a poesia escrita por mulheres fortes. Apesar dela não ser poeta, a minha maior influência ainda é Frida Kahlo. Eu amo os poetas de Portugal: Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade e Herberto Helder. Maiakóvski e vários poetas russos. Cada tempo da minha vida tem um poeta, ou uma ciranda de poetas que leio e me encanto, e sigo... Eu não posso dizer de forma teórica ou acadêmica sobre similaridades ou influência de outros em meus poemas. No meu livro “Forasteira” Fernando Koproski citou-me como filha de Vinícius de Moraes e Florbela Espanca. Eu quero ser Hilda Hilst por achar que ela é impecável. Mas, reconheço um lirismo profundo em meus poemas. Não sou tão crua quanto Hilda, mas estou tentando. Quando fiquei meses e meses lendo Emily Dickinson vi que meus poemas ganharam uma enormidade de travessões e palavras iniciando com letras maiúsculas no meio dos versos. Emily fazia isto quando queria ressaltar uma palavra. Quando alguém lê um poema e diz – lembra Orides Fontela, ou até mesmo Manoel de Barros, eu sinto sempre um estranhamento. Um dia conheci Ana Miranda que eu adorava ler e acho incríveis os romances que ela escreve. Brinquei dizendo que queria ser Ana Miranda, ela disse – Você é Bárbara Lia. É isto, esquecer os nossos mitos, ouvir sua voz interior e lapidar e lapidar até que ela seja reconhecida como essência do seu ser, uma palavra com rosto. Aquela que quando você começa a ler  um texto já sabe o nome que vai ler ao final. Acontece comigo com os poetas que amo e leio à exaustão. Acho que o leitor faz conexões, eu tento encontrar a melhor forma de dizer o que necessito gritar. Os poetas necessitam soltar seu grito para não morrerem engasgados de vida.

Fale um pouco dos projetos para 2017.

O projeto para 2017 é retomar a edição de livros artesanais. Organizar minha Poesia, antes que eu me mude para alguma estrela. Publicar ao menos um dos meus romances (tenho vários inéditos), desde 2010 não publico um romance e toda a determinação é que um deles venha aos olhos dos leitores. Que os deuses da Poesia soprem favoráveis para todos que estão aí nesta batalha ferrenha de escrever e escrever e escrever.



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