Francisco Gomes: Ensaio sobre o inevitável isolamento - e outras poesias


Fotografia de Neni Glock.


ENSAIO SOBRE O INEVITÁVEL ISOLAMENTO



Ao som de AstorPiazzolla,
meu ser se isola
com o espectro de Anne Sexton.


Divido com o mundo a desolação de Nick Drake,
o ardor dos lábios incendiados
num beijo de despedida.


Sei da fragilidade humana:
a necessidade involuntária de outro corpo,
de espaços,
de recíprocos.


Sei, sim, da fragilidade humana...
Por isso, contrario.
Permaneço ausência,
silêncio,
solidão.


Francisco Gomes



A FLOR QUE FITO

A flor que fito
distante
no fátuo eflúvio do horizonte – fovismo,
sinestesia provocante-canto-de-sereia,
é abismo:
ilusão desnorteadora do tangível.


A flor que fito
errante
fincada na ferida a fogo a ferro
(lágrimas de sangue e um berro),
pela pétala de brutalidade instigante,
torna-se
num sopro paradoxal
singular suave bela...


Tão bela essa flor mutante!

A flor que fito
descomunal
habita a visceral entranha:
tamanha é a força instintiva primal
fricção carne-carne
afago que arranha
fluido corporal.



Fotografia de Isabel Furini
A flor que fito
embevecida
também fede também cheira;
não é Amor
nem flor amarela.


A flor que fito
– nudez-mais-que-merecida –
não é Vênus de Milo;
só o sonho revela.


Francisco Gomes



PORQUE OS FARÓIS TAMBÉM PERECEM


Ter o riso ornamental
diante da arte taciturna
(impetuoso mar delirante ante as cinzas do cadáver ancestral)...


Sentir a carne ainda ligada ao osso
– a pele: pomposo invólucro –
para tornar perverso o toque púrpura
no corpo.


Os olhos de peixe (como sem pálpebras)
arregalados,
contínuo susto,
pupilam os montes as curvas as tumbas
as lápides:
uns rezam
outros jazem.


Gélido refúgio ou ilusão do perene
                                                      , o envelhecer
                                                                             das tardes.

Francisco Gomes




Francisco Gomes, outrora Cleyson Gomes, (cor)rompeu a existência em 1982 no arcaico município de Campo Maior (PI), mas fixou raízes na provinciana Teresina (PI), onde habita desde os sete anos de idade. Iniciou as faculdades de História e Letras/português, abandonou ambas. Publicou os livros Poemas Cuaze Sobre Poezias (FCMC - 2011), Aos Ossos do Ofício o Ócio (Penalux - 2014) e Face a Face ao Combate de Dentro (Kazuá - 2016).Também é músico, compositor e artista plástico. Tem poemas publicados em revistas, coletâneas nacionais, jornais, blogs, sites, muros etc. Admira a carência orgulhosa dos gatos e a tranqüilidade dos jabutis. Adora fígado acebolado.


Comentários

  1. lindos poemas. profundamente instigantes. Não conhecia o poeta francisco Gomes. os versos possuem uma força imagética tremenda...

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